O Caçador da Terra Roxa e Seu Coração de Vidro

 

O quê mais me impulsionou para visitar Cravinhos a poucos dias de meu aniversário, neste ano de 2014? Em primeiro lugar, obviamente, meu estado atual de prostração; eis a resposta!

Por outro lado, nos esparso contatos que tive com as gentes de Cravinhos, vim a saber que minha professora do 4º ano primário, a Dona Lalá, ainda estava viva e consciente. Eu queria que ela soubesse que este aluno havia publicado alguns livros e que ela já havia sido mencionada por mim em meus escritos. Achei que ela deveria saber disso. A memória cravinhense só se lembra do jornalista e escritor Eumir Nogueira e do João Luis Anzanello Carrascoza; o primeiro muito mais velho e o segundo muito mais novo que eu! O premiado João ainda não havia nascido quando eu, verdadeiramente, morei em Cravinhos e brincava na Praça da Matriz, jogava bola ao lado do Velho Mercado, abandonado. E ainda ia, volta e meia, ver passarem os trens da Mogiana, provindos de São Paulo, na Estação de Cravinhos que, nos idos de 56 eu e meu irmão Nelson desejávamos conhecer. Admirávamos a perícia dos telegrafistas dos trens expressos (que não paravam na estação de Cravinhos), mas que deixavam e levavam os telegramas, que vinham em papel enrolado em aros de metal que, a um só tempo eram depositados no suporte em “T” de cabeça pra baixo, fixado no teto da cobertura da plataforma, ao alcance da mão do telegrafista embarcado. Víamos a precisão de gestos: O telegrafista alojava os aros no braço direito (geralmente eram cerca de meia dúzia) e, num gesto único ele encaixava os aros de telegramas que trazia na primeira ponta, para em seguida apanhar os aros do outro lado do suporte. Admirávamos, eu e meu irmão, a perícia do telegrafista. Quando era um trem de carreira que, portanto parava na estação de Cravinhos, gostávamos de percorrer toda a plataforma para ver os rostos dos viajantes em trânsito: havia gente estranha, gente bonita e gente feia. Outro vagão que merecia nossa atenção era o vagão restaurante, diferente de todos os demais, onde fazendeiros e ricos proprietários da região, sentados às mesas com toalhas bordadas e adornadas com flores, liam os jornais de São Paulo e de Ribeirão Preto, enquanto comiam os mais deliciosos quitutes da culinária brasileira, em ambiente refinado, com música ao fundo.

E Cravinhos estava lá! Os meninos que corriam pela Praça da Matriz, entre os quase centenários bancos de granito, patrocinados pelas famílias abonadas e alguns comércios e o velho coreto, estavam lá. A Igreja de São José, embora necessitando de reciclagem, estava lá (lembrei-me do padre Tito); o Grupo Escolar João Nogueira estava lá (e também a árvore que eu plantei no dia da árvore de 1956; pois fui escolhido por ser o aluno mais novo da escola no 4º ano primário)! O Estádio de futebol J. D. Martins, do CAC também estava lá (em 56 vi o Hepácio e o Mendes – craques que ali jogavam)! O velho (centenário) e abandonado Mercado foi reciclado e está ativo. A velha Cadeia está lá. A Estação da Mogiana, abandonada à sorte desde os anos 60 ainda está lá. A grande praça defronte à estação, onde em meus tempos de menino abrigava a estação final do entroncamento da linha Mogiana entre Cravinhos e Serrana, ainda está lá (fiquei sabendo que em 1915, `as 10:30 h de uma bela manhã, patrocinada pela fazendeira Iria Alves Ferreira Junqueira, ocorreu ali a primeira partida de futebol intercidades da região, entre o Club Atlético de Ribeirão Preto contra o Sport Club  Cravinhense – segundo jornais da época dizia-se ser o primeiro time de futebol do Brasil – fundado em 1898, formado por ingleses que trabalhavam na Companhia Mogyana, imigrantes e alguns brasileiros). Cravinhos, é lógico, venceu a partida!

Cravinhos agora se pretende ser cosmopolita: tem um setor da cidade só para indústrias, a Vila Viegas que era “o fim da cidade” agora se desenvolveu, juntou-se a ela um Parque Popular magnífico. A cidade cresceu! O comércio da cidade deslocou-se um pouco, é verdade, saiu parte dele da Rua XV e foi para as imediações da Estação Mogiana, no sentido de Bomfim Paulista.

Lembro a terra roxa: procurava encontrar os resquícios de sua importância (as lavouras de café praticamente se acabaram, dando lugar aos canaviais). Qual um caçador, passos silenciosos, visitei lugares, falei com meus concidadãos, cruzei ruas, estradas e avenidas. Visitei antigos amigos e parentes e ainda fiz homenagem à minha antiga professora de Cravinhos. Os tempos são outros, eu sei. Que pena! A terra roxa resiste aos tempos; Cravinhos e as imagens novas e antigas ainda estão lá e ainda estão aqui, guardadas no meu coração.

– Estoura coração de vidro!

 

 

 

 

   Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 7 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de três outros publicados em antologias junto a outros escritores.