O Retorno
 


“Olá” – disse ela, aos 72 anos, sorrindo, enquanto tragava a cigarrete de menta, como nos velhos tempos. “Rapariga” – bradou ele, apertando o braço da saudosa prostituta. “Pera lá, coração” – suave – “sou de família”. Sorriu. “Se me quer, tem que conquistar”. Todos riram. “Me pague uma bebida”. “Não tenho tempo, beleza. Sou o cara! Toda a polícia da cidade está atrás de mim. Vamos para seu quarto. Quero saber se as histórias que ouço são reais”. Ela virou o Martini, passou a mão no prato de amendoins do cliente ao lado e encheu a boca, de esparsos dentes. Limpou as mãos no vestido e saiu caminhando em direção ao quarto. Ele virou-se para os presentes e ergueu os dois braços e, aos aplausos e gritos, a seguiu. Ela caminhou até o final de um corredor e abriu a porta. Apesar da idade, fez  aquilo com tanta magia. Mostrando importância da inexorável união entre o dom e a experiência. Ascendeu as luzes. “Entre”. Entraram. Porta fechada. Ele bateu com a palma da mão esquerda na coxa direita da velha que, por reflexo, ergueu-a e cercou-lhe o quadril. Parecia uma meretriz de vinte anos. Ele gostou. Com a mão direita pegou seio esquerdo e se pôs a apertá-lo enquanto ela, com as duas mãos, acariciava-lhe os ombros. “Quer uma massagem, Geraldo?”. Giraram. Ela, num certeiro golpe, arremessou na cama os cinquenta quilos e o pouco mais de um metro e sessenta do Geraldo. Ergueu o vestido e tirou-o pela cabeça, expondo a grande calcinha de rendas, roxa, enquanto ele abria o zíper da calça. Depois, puxou os sapatos do homem e chupou-lhe o dedo maior do pé, lambendo a grossa unha preta sem, no entanto, tirar os olhos dos olhos daquele  que a ela, agora, pertencia. Amaram-se. Ao terminar, ele encostou a cabeça no ombro dela, fingindo não ouvir as vozes por detrás da porta. Era a polícia. Vestiu-se, arrumou o chapéu e entregou-se. Só fez questão de deixar o batom que estava espalhado por todo o colarinho e pescoço. Ela colocou o vestido, deitou por um minuto na cama, depois arrumou os lençóis, a colcha de bordado inglês e apagou as luzes. Voltou para o salão, e, ao retocar o batom, viu a viatura sair.


* este é um trecho do conto “O Retorno”, que faz parte do livro “O amor remove caninos”, de Luiz Henrique Dias. Para saber mais, acesse luizhenriquedias.com.br ou siga o Luiz no twitter: @LuizHDias.

 

 

Luiz Henrique Dias é dramaturgo, Membro do Núcleo de Dramaturgia SESI e diretor da Cia Experiencial O Teatro do Excluído.