A PUREZA DO ACASO

      Na pista da boate, ao som de vozes românticas, Amélia avistou, no balcão, um homem de meia idade, um tanto interessante e, aparentemente, à procura de diversão.
      Foi.
      Parou ao seu lado e, ao pedir um drink ao barman, contorceu seu corpo como pôde, buscando expandir as pequenas nádegas, já esmagadas pelo vestido preto, e, ao mesmo tempo, apresentar seu decote ao desconhecido.
      Ele olhou atento.
      Ela, como guiada pelo acaso, teatralmente virou o rosto na direção dele. Ele viajou dos seios até os olhos da moça: duas jabuticabas. Fitaram-se por cinco segundos.
      Ela riu.
      O barman trouxe o drink e, quando ela ia entregar a comanda para a marcação, o homem a deteve: “eu pago”.
      Perfeito.
      “O que um homem como você procura aqui?”. “Ainda não sei”. “Talvez possamos sentar naquele canto. Mais reservado”.
      Foram. 
      Ali se beijaram por horas. As mãos passearam pelos pontos mais íntimos. O gozo o serviu de prazer.Depois, tomaram alguns drinks e, naquele sofá, naquele canto penumbroso, riram. Riram do ontem contado e do amanhã pensado. Choraram as mágoas. Falaram do mundo, do acaso. Ele desabafou sobre o trabalho. Que era advogado. Pai de família. De família feliz. Estável. Ela falou sobre os desejos da carne e da alma. Conversaram sobre filosofia. Ele mostrou conhecer música, artes. Ela o elogiava. Ele retribuía com mais lembranças. A infância. A faculdade. Os amores. Ela foi prestativa em ouvir segredos e entender suas lágrimas.
      Por vezes, os olhares convergiram.
      Até o relógio anunciar o final da noite. “Tenho que ir” – disse ele. 
      Levantou com as duas comandas. Sorriu docemente. Deu nela um beijo na mão esquerda e, “pela felicidade e pelos sinceros olhares”, deu a ela setenta e cinco reais. Ela contou as notas e guardou-as na bolsinha de camurça.
      Ele passou no caixa, acertou a conta e foi-se embora na escuridão. Não prometeu voltar.
      Ela levantou, arrumou o vestido e o sutiã. Bocejou exageradamente.
      O barman surgiu, com seu uniforme em uma sacola. “Vamos”. Deram as mãos e saíram. Antes, porém, ele interveio: “mais de cinquenta?”. Ela sorriu: “sim”. “Que bom” – bradou ele, contente.

* Luiz Henrique Dias é dramaturgo. Leia mais: www.luizhenriquedias.com.br. Siga: @LuizHDias