Primeiro de janeiro, como é grande
o dom de encantação do calendário!
Não é somente um ano que começa.
A aurora deste dia é diferente,
faz de conta que não está fingindo
que é a mesma de todo e qualquer dia
e já carrega a noite dentro dela.
Sucede que não é somente o dia.
Sou eu mesmo que já não me pareço,
que já não sou quem sou, que me começo.
Estou no amanhecer da própria vida
chegando limpa, de vestido novo
e feito de retalhos da memória,
os cabelos molhados de esperanças,
a candura do olhar enfeitiçado,
pedindo o meu amor profundamente,
enquanto uma vontade de servir
se inaugura cantando no meu peito.

No amanhecer de 98,
Ponta da Gaivota.

Campo de milagres – 2ª Ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, pág. 55.