Seu Agenor construiu sua vida no samba. Foi um dos principais defensores do samba de raiz, de qualidade e poético. Tocou na bateria da escola de samba do morro onde morou a vida toda e hoje com seus setenta e seis carnavais, seu Agenor toca cavaquinho, por prazer, todos os sábados na quadra da escola. Assim, aos fins de semana, quando o sol vai caindo, todos vêem aqueles cabelos branquinhos subindo o morro em direção às melodias que fazem parte da história do povo brasileiro. Já é hábito da rua sair às portas para esperar seu Agenor que já sobe tocando um sambinha do Adoniran Barbosa. Chega a lhe faltar o fôlego, pois vem tocando e cumprimentando a todos que fazem questão de lhe dizer sorrindo: Tarde mestre Agenor? E ele responde: Tarde irmãozinho!

      No meio do morro, numa pequena tapera, uma senhora, antiga moradora do morro recebe uns cumprimentos mais demorados.

      Dona Agostina foi uma antiga namorada de seu Agenor, se encontraram na quadra da escola e tiveram um romance curto, mas intenso e decisivo para o jovem sambista. Nestes desencontros que a vida nos proporciona, dona Agostina tomou outro rumo, exatamente no dia em que o jovem Agenor ia lhe pedir em casamento. Tinha lhe comprado uma linda aliança, toda dourada e com o seu nome gravado na parte interna do anel. Quase todo seu dinheiro tinha sido usado para a compra da jóia. Agenor estava contente, pois sabia que Agostina era o amor de sua vida. Quando chegou nesta mesma casinha, soube que a família havia se mudado para Valinhos, interior de São Paulo às pressas. O motivo ninguém lhe falou, mas ele sabia que era a oposição dos pais da moça pelo sambista que andava de cima pra baixo com um cavaquinho na mão, sem emprego, sem futuro.

      Depois de muitos anos seu amor voltou. Casada e com dois filhos, o amor de sua vida já tinha bem acentuadas as marcas do tempo. Trabalhava na casa de uns figurões do Morumbi onde seu marido era motorista. Agenor ainda tocava na bateria da escola de samba. O tempo foi passando e o amor do já consagrado sambista só crescia. Entre um carnaval e outro, umas viagens e outras, Agenor se ausentava quase que o ano todo de seu querido morro. 

      Um dia, um grande horror, pelo rádio dona Agostina, entre uma música e outra, na cozinha de sua patroa, soube do acidente que vitimou seu marido. Agenor, que com o passar dos anos foi perdendo suas forças, retornava ao morro de sua juventude. Quando voltou, o jovem sambista já era mestre e, alguns anos mais tarde, depois da aposentadoria, trouxe seus belos cabelos brancos para as rodas de samba nos fins de semana da velha quadra.

      Foi por conta destas passagens semanais que os olhos cansados dos dois se reencontraram de forma mais intensa. Seu Agenor, que nunca havia esquecido dona Agostina, se demorava um pouco mais diante de sua casa a tocar seu cavaquinho. Todos sabiam do seu amor por ela, e as paradas diante de sua casa foram ficando mais demoradas, um dia entrou para um café, chegou atrasado ao samba, mas foi. Aquele velho coração não podia mais continuar solitário. Consumido de amor por sua Agostina, seu Agenor tomou uma decisão importante para sua vida. Retirou do fundo de um velho baú a antiga aliança com seu nome gravado e, na subida para o samba, parou diante da velha casa e pediu, na frente de todos, a mão de seu amor em casamento. Foi uma coisa linda de se ver. Porém, no momento em que foi colocar a aliança, perceberam que não eram mais os mesmos jovens do passado. A aliança não cabia. Seu Agenor, que amava o samba como amava sua própria vida, não queria perder novamente a razão de seu viver. Pegou o cavaquinho e com os olhos cheios de água, retirou uma das cordas e fez uma aliança pra ela, prova de carinho.

      Assim, o caminho de seu Agenor, em direção ao samba, ficou mais curto e todos os fins de semana, ele sobe o morro de mãos dadas com dona Agostina para relembrar o passado, viver o presente e sonhar com o futuro.

Baseado no samba “Prova de Carinho” de Adoniran Barbosa.