Nos seus grandes sapatos carrega pó de todos
Os caminhos da América. Nosso violento Sol
Tostou-lhe no amplo rosto a brancura nativa
E pôs-lhe como um selo essa morena cor.

No baú que lhe arqueia o dorso de gigante
Leva presa a menina do olho e a plena cobiça
Do índio, cujos olhos retintos se encandeiam
Com a tosca riqueza alegre dos vidrilhos.

Tornou-se amigo íntimo de auroras e de ocasos.
Conhece o paladar de acres frutas selváticas
E dos ásperos lábios das mulheres indígenas,
Fetichistas, citrinas, mudas, lentas e pálidas.

Nunca terá uma casa tépida quanto a minha,
E, se lhe nasce um filho, talvez não saiba nada.
Veio ao mundo com o fado vagabundo dos ventos:
Hoje, um povo; amanhã, a montanha ou a pampa.

Sinto, vendo-o passar, uma emoção complexa:
Eu, a mulher que nunca deixou a sua casa,
A que não vê jamais mudar seu horizonte,
Não sei bem se o que sinto será inveja ou lástima.

Sobre si, como dentro do baú milionário,
Quanto espantado olhar arrastará consigo!
Os seres que contemplam as coisas invisíveis
Crerão que arrasta um maço multicolor de fitas.

 

Grandes vozes líricas hispano-americanas
Seleção e Tradução: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira
Editora Nova Fronteira – edição 1990