Preciso declarar logo no início desta matéria: vou escrevê-la misturando a linguagem das artes plásticas com a das artes gráficas e com alguns termos da informática. Enfim, pretendo bagunçar o coreto, mas com a melhor das intenções. Demonstrar que a vulgarização, ou, melhor dito, o uso amadorístico do computador – essa fantástica invenção que nasceu e cresceu, e continua se aperfeiçoando a olhos vistos – trouxe e continua ampliando facilidades para a comunicação social e, portanto, supõe-se, para beneficiar nossa qualidade de vida, mas… mas que, na verdade, quando empregado como eletrodoméstico traz um irreparável prejuízo para o cidadão comum, que é a inibição da sua inata criatividade. Como assim? Eu sei que a maioria das pessoas pensa exatamente o contrário e deve achar esta afirmação simplesmente uma insuportável heresia.

      Mas vamos lá, vamos aos poucos e armados da maior boa vontade. Não estou defendendo nenhuma tese universitária, nem escrevendo um tratado com qualquer finalidade científica, mas redigindo apenas mais uma modesta, e talvez curiosa, crônica jornalística, como venho fazendo há algum tempo e onde, praticamente, todos os enfoques são permitidos.

      Nem precisaria dizer. Não vou usar nenhuma metodologia. Limitar-me-ei a narrar algumas situações em momentos diferentes e com finalidades diversas, registrando minhas observações e algumas reflexões. São apenas “flashes” – que espero que desfrutem de alguma credibilidade, em consideração ao fato de eu ter dedicado toda uma vida a diversas formas de artes visuais, tendo a criatividade como âmago de todas as questões.

      Para começo de conversa, posso citar uma visita recente que fiz a uma feira de ciências, onde pude comparar o trabalho de uma turma de garotos realizado com os recursos do computador com o de outra turma realizado com o “sistema antigo”, isto é na base do desenho manual, lápis de cor, hidrocor, etc. Entrevistados, os do segundo grupo demonstraram o quanto estavam mais por dentro do assunto – interpretado através da criatividade, indispensável para ilustrar o tema. Enquanto os do primeiro grupo tinham processado as informações sobre o tema de forma mais superficial, mais preocupados que estavam em compor eletronicamente as imagens para colar belas figurinhas nas paredes. Moral da história: um exemplo típico de uso indevido do computador que sufoca a criatividade. Em outras palavras: o conteúdo da tarefa empreendida ficou prejudicado pela facilidade das soluções formais oferecidas pelo processo eletrônico.

      A partir de um exemplo como esse, podemos passar a nos conscientizar da importância primordial da criatividade humana que, em tese, tudo pode, inclusive inventar o computador. No entanto, temos que aprender a usá-la na medida certa e na oportunidade adequada. Para as grandes coisas, grandes esforços de criatividade; para as pequenas coisas, pequenos esforços. Mas nunca a repetição gratuita, a mesmice que aplastram o conteúdo de qualquer mensagem. Infelizmente, no entanto, essa maravilhosa máquina chamada computador e o vasto universo de seus efeitos  visuais permitem criar um repertório formal de soluções que são repetidas até a exaustão. E o pessoal que faz um uso doméstico ou semidoméstico da máquina não hesita em aproveitá-las e repeti-las. Alguém lembra o quanto era difícil conseguir um degradê nos tempos da pintura de cavalete ou na impressão tipográfica? Hoje á tão fácil que todos os céus aparecem em degradê. O que aconteceu? Trata-se de um mero detalhe de uma nova lei estética?

      Mas eu só posso fechar essa matéria lembrando que não há limites entre o uso amadorístico da máquina e seus programas e o uso profissional, sério, competente, que vem enriquecendo cada vez mais a linguagem gráfica da nossa contemporaneidade. É somente uma questão de preparo técnico e intelectual de quem vai lidar com ela. Ainda assim eu não posso me furtar de fazer uma recomendação final. Uma recomendação que costumo espalhar aos quatro ventos. Por dotados que sejam a máquina e o seu operador – capacitados, portanto, para desenvolver idéias realmente criativas – a coisa mais desejável é que, para se entenderem plenamente, o operador domine a antiga, imorredoura arte do desenho. É sempre útil valer-se da plasticidade dele. Pelo menos emocionalmente. Até para os dois, talvez.