A primeira vez que entrei na sede de um jornal foi em 1936, levado pela mão de meu pai. Foi no Corriere della Sera, em Milão. Eu tinha 12 anos de idade (a partir desta informação não é preciso que o leitor calcule a minha idade, pois eu entrego logo; hoje estou na flor dos meus 81) e o motivo da visita foi a solicitação de um trabalho escolar. Me apaixonei de imediato por tudo o que pude ver e entender sobre aquele trabalho frenético de homens e máquinas. O jornal acabara de ser reequipado. Estava tudo cintilante e barulhento: as máquinas de escrever sob os dedos dos redatores, os telefones pretos ao lado deles, as complicadas máquinas de linotipia cuspindo barrinhas de chumbo cheias de letrinhas, a monumental rotativa tipográfica engulindo bobinas de papel. Empolgado, levantei-me de madrugada e redigi o meu texto de um fôlego só. No fim da manhã estava levando o dito cujo para a escola quando vi, pendurado na banca em frente à minha casa, um exemplar do jornal que tinha visto nascer na tardinha do dia anterior. Tive, assim, a impressão de ter assistido à consumação de um milagre, já sabendo que ele se renovava todos os dias. Claro que naquele momento só pensei em me tornar jornalista, a vida afora. Mas não foi isso o que aconteceu. O que aconteceu foi que mergulhei no estudo das letras e das artes plásticas, ao mesmo tempo e com igual interesse. E fui desenvolvendo essas duas habilidades que atravessei a vida, exercendo diversas profissões, obviamente que todas vinculadas ao escancarado livro aberto da comunicação.

      No começo da década de 50 já estava no Brasil, atuando como cenógrafo e artista gráfico no TBC e na Cia. Cinematográfica Vera Cruz. O ano de 1955 passei em Buenos Aires, projetando cenários abstratos para espetáculos de balé, ganhando prêmios e insultos da crítica especializada. Em 1957, de volta ao Brasil, fui convidado pelo jornal O Estado de São Paulo para secretariar e diagramar o Suplemento Literário, que deveria se tornar a grande novidade do mercado editorial daquele tempo. Ainda não se chamava assim, mas provavelmente foi a primeira publicação concebida dentro daquilo que hoje se chama jornalismo cultural. Autorizado por Décio de Almeida Prado, diretor do Suplemento, propus uma diagramação que chocava com o estilo do jornal. Foi aceita, fez sucesso e passou a influenciar uma nova concepção gráfica do próprio jornal, tido como o mais conservador do País. Recentemente, o próprio Estadão e a revista especializada About contaram a história dessa aventura. Após cinco anos de Estadão, passei a me dedicar ao ensino da história da arte e à prática do design, industrial e gráfico, que foram a nova febre estetizante da década de 60. No finzinho da década, mudei-me para o Nordeste que se tornaria minha pátria definitiva e passei a me dedicar à criação publicitária, que também se tornaria a minha profissão definitiva. Nos albores dos anos 70 eu e o cearense Alfrízio Melo fundamos uma agência de propaganda, que conquistaria logo grandes contas regionais. Em primeiro plano, a conta do Grupo Bompreço. Durante anos, usando da disciplina que nos é peculiar, João Carlos Paes Mendonça e eu nos encontrávamos, semanalmente, mesmo dia e mesma hora, para tratar dos assuntos de comunicação. Um belo dia, JC me informou que tinha acabado de comprar todos os veículos do JC. Não se tratou de um mero destino de identidades de siglas. A Empresa Jornal do Commercio estava caindo aos pedaços e o João Carlos, ao salvá-la do desaparecimento, cumpriu, antes de mais nada e sobretudo, um gesto grandioso de cidadania. O depoimento que ele deu há poucos dias – publicado por ocasião da inauguração da nova sede que integra todos os veículos do Sistema – bate conceitualmente com aquele discurso consciencioso que eu ouvi naquela data distante e que quase posso citar de memória.

      E por falar na nova sede do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação, fui visitá-la há poucos dias, levado pela mão amiga de Ivanildo Sampaio, diretor de redação do jornal. Fiquei encantado com tudo, fascinado por tudo, como seria de se esperar de qualquer visitante; mas sobretudo por alguém que teve seu primeiro contato com esse universo da informação ainda meninote, ainda antes da Segunda Guerra Mundial.

      Também não pude deixar de relembrar, com Eduardo Lemos, coordenador do processo de integração desde as primeiras horas da Empresa, a campanha publicitária que fizemos quando o JC deu a primeira guaribada na sua estrutura. O bordão dizia que ele tinha mudado da água para o vinho. Se tivéssemos que anunciar hoje o esplendor dessa sua nova feição, seguindo a mesma linguagem metafórica, diríamos que o JC mudou do vinho para o néctar, a bebida dos deuses do Olimpo. Parece exagero? Mas com certeza não pareceria para Cláudio Abramo, um editor que trabalhou na Folha de São Paulo e no Estadão – hoje um mito do jornalismo brasileiro – que vibrava feito menino na posse de um novo brinquedo, quando lhe era dada a possibilidade de utilizar um novo recurso. A quem comentasse seu excesso de entusiasmo, ele se desculpava, meneando a cabeça, sempre com as mesmas palavras:
 – Jornal, meu amigo, jornal é um caso de amor! Jornalismo é paixão!