Consequentemente, tudo o que surge aos olhos do espectador sintetiza a busca impetrada pelo grupo de atores, diretor e técnicos, com o objetivo de criar uma representação, utilizando todas as variantes e as possíveis combinações que a riqueza e a maleabilidade da linguagem teatral permitem. E se cada componente da encenação – do menor gesto ou objeto de cena  ao cenário mais grandioso – representa “alguma coisa”, cada um deles aparecerá frente ao público carregado de significação, estimulando uma forma de leitura apoiada, de um lado, na montagem dos elementos cênicos e na ênfase intencionalmente colocada nos diversos signos do discurso gestual, que almejam a comunicação; e de outro, nas relações entre a organização deliberada dos elementos constitutivos do espetáculo e a realidade sócio-cultural na qual público e atores estão inseridos.

      Uma primeira necessidade que se instaura, do ponto de vista do espectador, advém do impulso de  “discernir e relacionar” os diversos elementos combinados na ‘montagem” de um espetáculo – gesto, fala, música, cenário, figurino, iluminação, adereços, etc…- que simultaneamente criam o significado de uma cena teatral. Neste caso, “discernir” implica em diferenciar o peso significativo de cada componente da representação e perceber sua mútua interferência na confecção do produto final apresentado ao público. Engendra-se a partir daí uma inter-relação dinâmica entre os significados propostos por cada uma das cenas, pois cada informação nova, sugerida pela seqüência de ações, retoma e aprofunda o significado das ações anteriores determinando, ao mesmo tempo, o sentido das cenas seguintes. Nesta evolução descontínua, o público apreende a multiplicidade de informações emitidas  simultaneamente pelos diversos recursos constitutivos da linguagem teatral – gesto, fala, sons, movimentos, composições grupais, ações paralelas, climas emocionais etc… –  criando mentalmente   por fim o sentido global da encenação.

      A compreensão e a assimilação gradativa dos significados produzidos pela montagem e combinados na ação dramática, suscitam o prazer da descoberta e da vivência lúdica, e tornam o público um participante ativo que aprimora a sensibilidade e exercita o raciocínio – independentemente de sua inclusão física nas ações cênicas, pois a sua participação pode se caracterizar também por uma determinada postura frente à obra. Em outras palavras: cada elemento desempenhará uma função fundamental na construção do “gestus” total da obra – segundo Brecht, a “expressão mímica e conceitual das relações sociais existentes entre os homens de uma determinada época”. Ao contrário do cinema ou da televisão – processos de criação de imagens em movimento mediados pela máquina, que possui a sua linguagem própria e substitui o olho do espectador recortando previamente o que ele deve ver -, no teatro o público vê e observa tudo ao mesmo tempo, distingue e relaciona os aspectos mais evidentes das imagens vivas mostradas em cena. Portanto, o espectador não apreende as imagens, iludido por uma falsa impressão de realidade e verossimilhança, mas é levado a “ler” as funções exercidas pelos signos visuais e sonoros presentes no espaço de atuação, consciente de que não se trata da realidade, mas de uma representação que apenas remete a ela. Para isso, ele irá considerar e reconhecer as vivências sociais mostradas no palco a partir de suas próprias experiências e das referências culturais específicas da comunidade a que pertence.

      Numa das cenas do espetáculo “Ainda Bem que Aqui Deu Certo”, dirigido por mim, por exemplo,  dois atores sugerem através de movimentos e ações mímicas, a construção de um barraco  na encosta de um morro de difícil acesso. A presença das ferramentas, das tábuas, da chuva, do próprio barraco que vai sendo erguido, tudo enfim que forma a seqüência de imagens e cria a atmosfera emocional exigida pela cena é indicado pela combinação de gestos, música, luz, divisão do espaço, falas e movimentos, preparando também criticamente o público para a ação dramática que dali se desenrolará. A apreensão desta combinação possibilita ao público a leitura do sentido intencionalmente atribuído ao espetáculo pelos seus realizadores, condicionando o conjunto da encenação à medida em que este sentido se aprofunda com as informações das cenas seguintes e amplia a compreensão do significado global da montagem. As relações com as referências reais, que o comportamento social fornece são imediatas, levando o espectador a acionar suas  experiências pessoais para a perfeita assimilação do discurso cênico, sem perder a consciência de que se encontra num teatro participando de um evento lúdico que possui sua lógica interna própria.

      A leitura dos componentes estruturais de uma cena se dá através da distinção de seus respectivos pesos significativos construídos numa estreita relação de interdependência, dentro da qual adquirem força e significação de acordo com a sua função no conjunto do espetáculo. Destas conexões estruturais e desta postura do espectador na decodificação das relações existentes entre os signos apoiado, ao mesmo tempo, em suas vivências  culturais anteriores, brota o sentido da obra. E sem dúvida, a convivência intensa e direta entre ator e público, reunidos para a prática do exercício vivo da comunicação, aprofunda o caráter prazeroso, humano e social de uma representação.

      Talvez resida  exatamente aí a complexidade do fenômeno teatral, que inclui os atores – empenhados numa intensa “produção de sentidos” por meio de uma linguagem viva que abarca todos os matizes do comportamento humano – e o público, envolvido na leitura e na decodificação desta realidade lúdica intensa e fugaz, e compactuando ativamente com o puro prazer de jogar, compreender e descobrir.