Ela tardou, faltou ao compromisso. Ignoro ainda os motivos que levaram-na a fazê-lo, mas a verdade é que ela faltou ao compromisso. Lamentei não ter uma câmera fotográfica para registrar o momento da sua aparição. Teria sido inútil, pois ela não veio. Há nuvens por demais, o céu está carregado, a noite, que se abateu de repente, como a lâmina de uma guilhotina, como um pesado machado que de repente se deixa cair com toda a força das mãos que o empunham, se fez de repente, escura, tenebrosa. Tudo isso é fato. Mas é fato também que ela não veio, faltou ao encontro, faltou ao compromisso. Há de ter os seus motivos, é verdade. Mas não veio. Ainda assim, ponho-me a sua espera, quem sabe, de repente, afastando as nuvens escuras, rasgando o véu opaco da noite que se estendeu como um grosso e escuro cobertor de lã, quem sabe de repente ela não surja, já não amarela, sangrenta, como deveria ter surgido se o fizesse ainda com o clarão do dia, espelhando o resto de sol que se ia; já não amarela, sangrenta, mas alva, branca, lunarmente branca. Quem sabe ela não surja, a me dar boa noite, a pedir desculpas pela tardança, a me dar as justificativas, todas, plausíveis ou implausíveis, um cometa que se atravessou a sua frente, um desvio por conta de um enxame de asteróides, uma sonda espacial que se intrometeu em sua rota, provavelmente uma sonda estadunidense, imperialista. Quem sabe, espero que ela surja, que peça desculpas, que não diga nada, que surja em silêncio, que me diga apenas boa noite e me beije e me cubra com seu véu. E eis quando, já perdida a penúltima esperança, ela chega, imprensando-se entre duas nuvens, ainda amarela, quase vermelha, não branca como imaginei por conta da noite. Amarela, imensa, bela, buscando desfazer as nuvens a sua frente, provavelmente buscando a mim, a mim que lhe esperei, a mim que só tenho olhos e mãos para ela. É um momento sublime esse, penso que existam apenas nós dois, apenas nós no mundo. Ela veio, não faltou ao encontro, não faltou ao compromisso. Dispensadas são as palavras. Ela veio, ainda que breve, ainda que de novo já se esconda, ainda que a noite, escura, obscura, teime em ocultá-la. Talvez por ciúmes, que a noite também é fêmea e se compraz em me ter junto à ela. Mas ela veio, desmanchou o gosto amargo que se fazia em minha boca. Ressurgiu mais acima, acima dessas nuvens escuras, e ilumina o céu, e o rio, e os meus olhos. E me fita com os olhos de amante, porejando desejos, quase sangrando em sua claridade emprestada. E somos, agora, apenas nós, os olhos nos olhos um do outro, nessa infinita distância que nos separa e que nos une.