O debate ocorreu imediatamente após o fim de semana em que o comandante da Revolução Cubana, Fidel Castro, faleceu aos 90 anos, ensejando homenagens por parte da Fundação Maurício Grabois, antes de iniciar as atividades. Após um minuto de silêncio, Sorrentino fez uma análise do cenário em que se contextualiza a tentativa de uma reforma política no Brasil. O pós-golpe, durante a profunda crise econômica internacional, representa a tentativa de impor uma nova ordem política e social no país.

Para o dirigente partidário, a nova ordem exige o desmanche da Constituição de 1988 em seus aspectos essenciais, particularmente no que refere aos direitos do trabalhador. A crise fiscal atinge o próprio pacto federativo, mergulhando o país em uma crise política de grandes proporções. “Ocorre um choque entre os poderes judiciário e legislativo, pois se judicializou a política e se politizou o judiciário”, afirmou, acrescentando que, na ordem atual, “a política é um crime e não os políticos corruptos.

A crise econômica é atacada com medidas ultraliberais que não apontam para a retomada da confiança, mas para um desmanche ainda maior. “A crise não tem perspectiva de saída, e as saídas que se apontam, no mundo todo, não estão vindo pelo lado progressista, mas pelo lado conservador e reacionário”, afirmou Sorrentino.

Por outro lado, o Governo Temer além de golpista e regressista, é um governo fraco, na avaliação do dirigente comunista. “Se não cair, a tendência provável é sua sarneyzação, ou seja, um governo fraco, com necessidade de negociar cada passo, de costas para a sociedade”, comparou, citando o presidente José Sarney, depois do Plano Cruzado. “E Temer vai negando a própria agenda de ajuste fiscal ao garantir apoio político depositando bilhões para cada setor que o apoie.”

Mas Sorrentino não descarta o desfecho das eleições indiretas para substituir Temer, plano B da direita golpista. “A Esquerda tem que ter muito juízo nessa hora. Não tem saída a oferecer. As saídas têm que ter consequência. Quer seja o Fora Temer, as Diretas Já, o impeachment… a quem beneficiam? A grande massa de trabalhadores está alienada e anestesiada do que está em jogo. O quadro exige cautela e amadurecimento. Ou vamos acabar propondo coisas que levem água ao moinho dos golpistas”, alertou Sorrentino.

É nesse ambiente de deterioração institucional que se quer fazer reforma política. Desta forma, Sorrentino acredita que o caráter das mudanças devem tornar o sistema político ainda mais antidemocrático e antipopular, como já demonstrou nestas eleições municipais. Para ele, a reforma política “é a mãe de todas as reformas e diz respeito à soberania popular”. 

“A imposição de políticas neoliberais demanda esse sequestro da política, além de dominar a pauta política”, disse ele, citando o modo como o voto distrital, na Itália, acabou com o Partido Comunista e com a esquerda italiana. Medidas como essa são defendidas no Brasil para eliminar a maioria dos pequenos partidos, geralmente representativos dos setores populares. “A democracia virou um invólucro vazio sem conteúdo democrático real”.

O dirigente lembra que, dos 28 anos de Constituição, são 22 em que se tenta reformar as normas políticas aos imperativos da ordem neoliberal. “Propusemos voto em lista, sempre combatemos o financiamento empresarial, defendemos as coligações como um sistema integrado, sempre com o intuito de fortalecer os partidos e o caráter ideológico de cada um”, disse ele, para apontar o caráter opositivo a todas essas medidas que as reformas de direita pretendem.

Sorrentino foi apontando historicamente como os governos e bancadas vêm se comportando em relação a esses temas. “FHC conseguiu aprovar a cláusula de barreira, que derrotamos no TSE, e, agora, tentam constitucionalizá-la”, disse ele, sobre a medida que impede a existência de partidos sem um determinado percentual de votos. A cláusula em discussão, atualmente, é de 3% dos votos em, ao menos, 14 estados, o que inviabiliza a grande maioria dos partidos, restando apenas as grandes legendas.

O problema é que a correlação de forças atual é totalmente desfavorável aos setores mais progressistas, com 400 deputados fechados com o golpe à democracia, e o eleitor capturado pelo voto antipolítico. “É preciso barrar a reforma ou diminuir os danos”, disse, lamentando que a esquerda já teve correlação de forças favorável para aprovação de uma reforma política progressiva durante o Governo Lula, que não quis encabeça-la para evitar conflitos.  “A melhor aposta é não ter reforma, pois esta em discussão não serve à sociedade, à democracia e nem aos políticos”.

A defesa pétrea da democracia

Para Aldo Arantes, que, desde 2013, foi secretário da Comissão Especial de Mobilização para a Reforma Política do Conselho Federal da OAB, representando a entidade na Coalização pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, o aspecto estruturante da reforma política é o financiamento eleitoral. Ele mencionou que numa pesquisa feita pela OAB entre a população, inclusive a manifestante contra a corrupção, foi que 76% eram contra o financiamento empresarial, entendendo-o como a causa da corrupção.

“No entanto, essa massa manipulada vivia uma contradição que a esquerda não soube denunciar, quando o PT propôs a constituinte exclusiva para a reforma política. Perdemos a oportunidade de mostrar que os verdadeiros corruptos são exatamente aqueles que votaram a favor da grana na campanha, enquanto o PT e o PCdoB votaram contra”.

Arantes diz que o financiamento empresarial foi proibido no judiciário, que, no entanto, permitiu o financiamento individual alto que favoreceu a desigualdade na disputa. As eleições municipais deste ano favoreceram os candidatos empresários milionários que puderam bancar suas próprias campanhas.

A PEC 36/16 foi aprovada no Senado com cláusula de barreira de 3% de votos em 14 estados, que liquida a maioria dos partidos, sob a alegação de que isso dificulta a governabilidade. “O que cria dificuldade de governabilidade não são os partidos pequenos, mas é um cinismo muito grande, pois os partidos grandes não têm identidade ideológica”.

Arantes lembra que a Constituição tem cláusulas pétreas, como a existência de minorias na democracia. Com a cláusula de barreira na Constituição, Arantes avalia que a democracia recebe mais um golpe desta reforma política antidemocrática. “É possível combater com articulação contrária ou conseguir ampliar o apoio ao projeto democrático”, afirma ele, com otimismo.

Aldo ainda apontou alguns aspectos discutidos em seu livro como a relação entre a reforma política e os “golpes brandos” ocorridos em todo o mundo sob o pretexto do combate à corrupção ou da defesa dos direitos humanos. Ele também faz uma análise dos equívocos cometidos no âmbito dos setores progressistas que contribuíram para o golpe, como o despreparo para a “traição da aliança”. “As reformas democráticas e a politização da população teriam dificultado o golpe”, lamenta ele.